No passado dia 28 de março o bordo sul da depressão “Nelson”, com ondulações frontais associadas, afetava o território do continente, promovendo, a partir da manhã, um fluxo de oes-sudoeste moderado a forte sobre o território (figura 1). Nas regiões do centro e do sul, à passagem de uma ondulação frontal de noroeste para sueste, encontravam-se reunidos os ingredientes necessários à formação de nuvens com desenvolvimento vertical, por vezes com natureza de supercélula (SC). Estas perturbações são caraterizadas pela presença de um mesociclone (MC), que corresponde a um movimento de rotação na nuvem, organizado, mas que se estabelece apenas em altitude. Só em condições muito particulares é possível a formação de um tornado, a partir do referido MC. Tornado implica, por definição, a presença de um vórtice em contacto com a superfície. O ambiente atmosférico ao final da manhã e tarde deste dia era, igualmente, caraterizado por um escoamento muito forte aos vários níveis, em que células convectivas coexistiam, por vezes, com bolsas de ar relativamente mais seco. Nestas condições é favorecido o transporte, vertical, de parcelas de ar com momento linear de grande magnitude, de modo que as correntes de ar associadas à precipitação, podiam causar a ocorrência de rajadas muito fortes de vento, em níveis baixos. Estes fenómenos, denominados por rajadas convectivas são, em geral, muito repentinos e localizados.
Durante a tarde deste dia foram reportados episódios de vento e precipitação forte, em diversos locais da área metropolitana de Lisboa e do sul do território do continente. A maior parte destes episódios de vento forte terá estado associada a rajadas convectivas. Alguma da documentação consultada permite concluir que, por vezes, a magnitude das rajadas terá excedido os 100 km/h.
Para o final da tarde, no Barlavento algarvio, foi reportado um episódio de vento forte em Benaciate (freguesia de S. Bartolomeu de Messines, concelho de Silves). Pela análise das observações com radar, documentação e relatos, confirmou-se que a ocorrência esteve associada a um tornado. Na figura 3 pode seguir-se a evolução da SC que gerou o fenómeno. Pelas 17:07 UTC a SC situava-se ainda sobre o mar (figura 3a), localizando-se nas proximidades de Lagoa (concelho de Lagoa) dez minutos após (figura 3b). Com uma advecção de 22,5 m/s (81 km/h) na direção es-nordeste, pelas 17:27 UTC esta SC situava-se próximo do local de onde foi reportada a ocorrência (figura 3c) e, dez minutos mais tarde, já se encontrava após a auto-estrada A2 (figura 3d). Este tornado destruiu duas casas pré-fabricadas, danificou outras habitações e causou a queda de árvores de grande porte que danificaram viaturas, a queda de postes de telecomunicações e de energia. Ignora-se a extensão e largura do trajeto de destruição deste fenómeno.
Uma análise preliminar dos efeitos da destruição reportada no local, aponta para que o fenómeno tenha alcançado uma intensidade de, pelo menos, F1/T2 (escala clássica de Fujita/escala de Torro), correspondendo a vento na gama 33-41 m/s, ou seja, 119-148 km/h (rajada, média de 3s). Estes valores devem ser considerados como provisórios, podendo vir a ser confirmados ou alterados proximamente.
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Figura 1 – Campo da pressão ao nível médio do mar (linhas a preto, de 4 em 4 hPa), vento (notação de barbelas, direção e intensidade em nós), depressão (B), anticiclone (A), previsão para as 15 UTC, 28 de março de 2024. Depressão “Nelson” assinalada com seta.
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Figura 3 - Sequência de Imagens de PPI (indicador de posição plana, elevação 0°) de velocidade Doppler em relação à tempestade (m/s), 17:07 UTC (painel a), 17:17 UTC (painel b), 17:27 UTC (painel c), 17:37 UTC (painel d), 28 março 2024, radar de Loulé (situado fora das imagens, para a direita). Setas curvas a preto assinalam o padrão dipolar indicativo de circulação do mesociclone da supercélula (SC), a baixa altitude. Segmento a tracejado representa a trajetória aproximada da SC no período 17:07 -17:37 UTC. Seta a preto indica o local de Benaciate (Silves), onde foi reportada destruição por vento forte.
Fonte: IPMA