206: Incêndios: "Desordenamento do território" é o maior "culpado" pelos fogos - especialista
O modelo desenvolvido pelo investigador do Centro de Geofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) Carlos da Camara consegue determinar como vão ser os meses de Julho e Agosto, que representam 70 por cento da área ardida de todo o ano, através da precipitação de Março e Abril e da temperatura de Maio e Junho.
"O raciocínio é simples: imaginemos que Março e Abril são particularmente chuvosos, o que leva ao desenvolvimento do mato, e depois que Maio e Junho são meses secos, o que torna a vegetação seca e muito mais inflamável. O risco é muito maior", explicou o professor.
Os resultados obtidos pelo investigador são "surpreendentes" e, no ano passado, as suas previsões acertaram "quase na perfeição", o que levou o investigador a aprofundar as razões do sucesso.
"Se isto é assim, onde está o ordenamento do território? Não está. Se houvesse ordenamento do território este modelo, que é puramente meteorológico, falharia", sublinhou Carlos da Camara.
De acordo com o climatologista, desde 1980 que as áreas ardidas têm vindo a aumentar, tal como o "desordenamento" do território, o que resultou nos anos "negros" de 2003 e 2005, em que arderam, respectivamente, 425.726 e 338.262 hectares de floresta e matos, segundo dados oficiais.
"O clima é o bode expiatório dos políticos, porque é muito fácil dizer cada vez que há uma calamidade que é o El Niño ou o efeito de estufa. Quem tem culpa dos fogos somos nós, portugueses, que permitimos que o ordenamento do território em Portugal esteja desta forma. O problema não é deste ou daquele Governo, foram 40 anos de negligência colectiva", salientou o investigador.
Segundo o professor, se o planeamento do território fosse maior, ajudasse ao combate aos fogos e o tornasse eficaz, esse ordenamento iria contrariar a meteorologia e o modelo não resultaria tão bem, como acontece, por exemplo, em Espanha.
No país vizinho, segundo o especialista, "quando começaram a fazer ordenamento do território a sério, a meteorologia continuou a ser importante, mas deixou de ser o único factor" para a previsão e prevenção dos fogos.
"Quando o ministro da Administração Interna disse que no ano passado ter ardido pouco foi devido aos meios de combate, eu discordo. Aquilo é puramente uma opinião e eu tenho um modelo físico-matemático que prova o contrário", salientou.
Para o professor da FCUL, a questão é que Portugal aposta sempre no combate e nunca na prevenção, deixando "a meteorologia jogar o seu papel".
"Nós e a Grécia somos o último laboratório da Europa onde se podem aplicar estes estudos porque a meteorologia continua a ter um papel muito importante", explicou.
Para o investigador, a solução passa por cruzar a informação: "Já que estamos nesta situação, acredito que se pode tirar partido destes estudos com vista à prevenção. Se for devidamente utilizado isto permite ter uma ideia, logo em Junho, do que esperar da época de incêndios".
Para a próxima época de fogos, o investigador considera que é ainda "muito cedo" arriscar qualquer previsão, mas adianta que "em Maio já há dados importantes para a planificação".
"Normalmente o que se faz em Portugal é tentar recrutar o maior número de meios possível e no ano passado eu achei que era um exagero. Mas é claro que eu só posso dar valores associados a uma probabilidade e depois os especialistas em análise de risco decidem o que se deve ou não investir. Eu acredito que este modelo funciona tão bem que seria um valor acrescentado", afirmou o climatologista.
Este modelo de previsão dos fogos do Verão está inserido no projecto europeu Land-SAF, liderado pelo Instituto de Meteorologia (IM) e do qual o investigador da FCUL é responsável pelo desenvolvimento de dois novos produtos relacionados com a monitorização de fogos activos e a avaliação de risco de incêndio, sendo Portugal o país protótipo.
O projecto foi desenvolvido em colaboração com vários investigadores da FCUL, do Departamento de Engenharia Florestal do Instituto Superior de Agronomia, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do IM.
Fonte: LUSA