A Quercus mostrou hoje em Lisboa os "onze buracos negros da energia em Portugal" e alertou para a necessidade de apostar na poupança e eficência enegéticas e para o longo caminho a percorrer nas energias renováveis.
"Estamos a falar de um momento em que o preço do petróleo continua a subir e em que a sociedade portuguesa está mais aberta, mais desperta para procurar alternativas energéticas", disse o presidente da associação ambientalista, Hélder Spínola, a propósito da acção de sensibilização que esta manhã decorreu no Largo Camões, em Lisboa.
"No entanto, [a sociedade portuguesa] continua muito refém da mesma lógica que está associada aos combustíveis fósseis, ou seja, grandes projectos, centralizados e o contínuo consumo de grandes quantidades de energia", acrescentou.
Quem passou esta manhã pelo Largo Camões, em Lisboa, pôde ver uma fila de dez 'buracos negros' da energia em Portugal, identificados pela Quercus, e um 'super buraco', distinto dos outros por apresentar uma dimensão largamente superior: o buraco d'"O Mito da Energia Nuclear", que, dizem os ambientalistas, tem sido falsamente apresentada como uma energia limpa e barata.
Para além deste havia também os 'buracos' "Barragens: diga 3,3 (por cento)", "Transportes Colectivos ultrapassados pelos Automóveis", "Péssima Eficiência Energética", "Edifícios esbanjadores de Energia", "Microgeração a passo de caracol", "Energias renováveis pouco diversificadas", "Água quente solar não aquece nem arrefece", "Energia das Ondas em maré baixa", "Eco-fiscalidade quase invisível" e "Educação Ambiental esquecida.
Para a Quercus, a aposta energética deve centrar-se na poupança e na eficiência e a associação ambientalista não hesita em apontar os dois sectores 'negros' do consumo energético em Portugal: os transportes e os edifícios.
"Os transportes têm que se basear cada vez mais nos transportes colectivos, os edifícios têm de ser cada vez mais eficientes e auto-suficientes em termos energéticos", declarou Hélder Spínola.
Para o ambientalista, o país tem ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao aproveitamento das energias renováveis, sobretudo na solar, na proveniente do aproveitamento da biomassa, e na das ondas e marés, energias que considera ainda pouco exploradas, mas necessárias para a criação de um "sistema energético sustentável que não esteja dependente do petróleo e do exterior, e que tenha a participação não só dos governos e das empresas, mas também dos cidadãos".
"Temos no país grandes potencialidades de poupança que podem atingir os 40 por cento. Nós temos medidas, por exemplo, a instalação de um painel solar para aquecimento de água, que podem reduzir em 20 por cento a factura energética de uma família", afirmou.
No entanto, Hélder Spínola considerou que existem ainda muitas situações, ao nível fiscal, por exemplo, que "penalizam quem quer poupar energia e quem quer utilizá-la de forma mais eficiente" e que podiam ser revistas.
"É o caso, por exemplo, do IVA, que é cinco por cento para a electricidade, que na maior parte dos casos ainda é produzida pela queima de combustíveis fósseis, mas é 12 por cento se estivermos a falar na aquisição de equipamentos para a produção da energia eléctrica através de fontes renováveis e é a 20 por cento se as pessoas quiserem usar biomassa, como lenha, para satisfazer parte das suas necessidades energéticas", disse o ambientalista.
Na opinião do representante da Quercus, o sistema fiscal devia distinguir as medidas que defendem a preservação ambiental daquelas que agravam o problema.
Os 11 “buracos negros” da energia em Portugal
O Mito da Energia Nuclear
Nos últimos anos tem surgido alguma discussão em torna da possibilidade de construir em Portugal uma central nuclear.
Frequentemente, nesta discussão, o nuclear tem sido apresentado como sendo uma energia limpa e barata, ideias que não correspondem à realidade.
Na verdade, considerando todos os custos inerentes ao ciclo de vida de uma central, a energia nuclear é muito mais cara do que as outras formas de produção de electricidade, especialmente se se considerarem os custos do tratamento dos resíduos por centenas e mesmo milhares de anos.
Contrariamente ao que muitas vezes é referido, a produção de energia nuclear não é isenta em termos de emissões de gases de efeito de estufa responsáveis pelas alterações climáticas.
A sua construção é uma importante fonte de emissões, mas principalmente a exploração do urânio e também o transporte dos resíduos para processamento ou armazenagem, acabam por contribuir significativamente para este balanço.
Por outro lado, para além do problema da longevidade dos resíduos nucleares (dezenas a centenas de milhar de anos), esta fonte de energia eléctrica não é renovável e prevê-se que as reservas de urânio não durem mais do que algumas décadas.
Acresce que a exploração de urânio representa graves problemas ambientais, como o testemunham o passivo ambiental deixado por esta actividade em Portugal.
Barragens: diga 3,3 (por cento)
O governo português aprovou e pretende implementar um Programa Nacional de Barragens cujos ganhos energéticos não se justificam face aos graves prejuízos para a biodiversidade e degradação dos recursos hídricos.
As barragens planeadas produzirão electricidade equivalente a 3,3% da consumida em Portugal (dados de 2006) e correspondem a apenas 1% na poupança de emissões de gases com efeito de estufa (em comparação com o ano de referência do protocolo de Quioto- 1990).
O projecto EcoFamílias da Quercus, que acompanha 225 famílias portuguesas percebendo o potencial de poupança energética e aconselhando-as para um uso mais eficiente da energia, se fosse aplicado a todas as famílias residentes em Portugal teria o mesmo potencial na poupança de emissões de gases com efeito de estufa do que este Plano Nacional de Barragens.
Por outro lado, devido às alterações climáticas, e como já referido em relação à energia nuclear, a disponibilidade de água poderá diminuir 40% até 2050 reduzindo a capacidade de produção hidroeléctrica e pondo em causa a viabilidade de todas estas barragens.
Transportes Colectivos Ultrapassados pelos Automóveis
O sector dos transportes é o principal responsável, a par da produção de electricidade, pelo consumo de energia em Portugal.
No entanto pouco tem sido feito para evitar a adopção de práticas e tecnologias que agravem o consumo de energia.
Portugal é o país europeu onde menos se anda a pé e de bicicleta e o uso do transporte individual continua a aumentar em comparação com os transportes colectivos.
O investimento na rodovia continua muito acima do investimento na ferrovia (em 2004, Portugal investiu quase 4 vezes mais na rodovia do que na ferrovia) e os portugueses continuam a abandonar progressivamente o uso dos transportes colectivos a favor do transporte individual.
Embora o recente aumento dos combustíveis deva estar a atenuar esta tendência, comparando 1990 com 2004 é possível constatar que: o uso do combóio diminuiu de 11,3% para 3,8%; o uso de autocarros diminuiu de 20,5% para 11,1%; e o uso do automóvel subiu de 54,6% para 68,7%.
Péssima Eficiência Energética
Portugal é um dos países europeus que revela pior desempenho em termos de poupança e eficiência energética.
Estimativas recentes apontam para um potencial de poupança que pode atingir os 40% do seu actual consumo energética apenas por intermédio da gestão da procura (Manual de Boas Práticas de Eficiência Energética, WBCSD, Portugal).
Apesar deste enorme potencial as políticas e medidas para uma maior poupança e melhoria da eficiência energética em Portugal são incipientes e as poucas que já foram definidas não têm obtido a divulgação e os incentivos necessários.
Por mais energia que se produza por fontes fósseis ou renováveis, este nível de ineficiência anula qualquer esperança de um sector energético sustentável.
Ressalva-se no entanto que, apesar de muitas das suas medidas necessitarem de clarificação, o Plano Nacional para a Eficiência Energética, recentemente aprovado, prevê uma melhoria na eficiência energética de 1% ao ano.
Por outro lado, os dados mais recentes relativos ao consumo de energia eléctrica revelam uma desaceleração significativa no incremento do consumo, tendo crescido no primeiro semestre de 2008 apenas 1%.
Edifícios Esbanjadores de Energia
O sector dos edifícios é responsável por uma grande fatia dos consumos de energia final (30%), valor que sobe substancialmente se falarmos apenas de energia eléctrica (62%).
Apesar do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, já em implementação para as construções novas, qualquer estratégia para a sustentabilidade energética em Portugal e para a redução da dependência do petróleo requer a adopção urgente de medidas que revelem resultados no aumento da eficiência no uso da energia nos edifícios, fomente a poupança e aposte nos aproveitamentos passivos.
Microgeração a Passo de Caracol
O novo sistema de apoio à microgeração através do programa “renováveis na hora”, em funcionamento desde Abril de 2008, permite ao cidadãos produzir energia eléctrica através de fontes renováveis e vendê-la à rede.
Foi disponibilizada uma potência de 10 MW para o primeiro ano e sempre que atinge um total de 2MW de potência atribuída a possibilidade de registo é fechada pelo período de um mês.
Os cidadãos têm revelado grande abertura para este sistema esgotando os 2MW nas primeiras horas em que abre o período de registo pelo que é essencial aumentar a potência disponível de acordo com o interesse dos cidadãos em investir na produção descentralizada de energia eléctrica.
Energias Renováveis pouco Diversificadas
As energias renováveis, pela sua natureza intermitente e dispersa no território, requerem uma abordagem diferente daquela que estamos habituados com os combustíveis fósseis: produção centralizada e dependente de uma única fonte.
Os aproveitamentos das energias renováveis devem basear-se num modelo disperso no território e dirigido para a maior diversidade de formas de energia: eólica, solar, hídrica, biomassa, ondas, geotérmica, etc., quer na vertente de produção de electricidade quer noutras formas de energia ou aproveitamentos passivos.
Portugal tem uma produção de energia eléctrica por fontes renováveis essencialmente baseada na hídrica que, nos últimos anos, tem sido reforçada com a componente eólica, a qual aumentou no último ano 43%.
Esta grande limitação na diversidade destes aproveitamentos cria constrangimentos que dificultam a penetração das energias renováveis e o aproveitamento das potencialidades existentes no nosso país.
Água Quente Solar não Aquece nem Arrefece
No início da actual década, o Programa E4 – Eficiência Energética e Energias Endógenas definiu uma meta de 1 milhão de m2 de colectores solares térmicos até 2010 através do Programa Água Quente Solar.
Porém, nos últimos anos, a instalação de colectores solares tem-se cifrado apenas em algumas dezenas de milhares de m2/ano.
O Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC 2006) reviu em baixa esta meta e considera já que se atingirá metade do objectivo traçado, traduzindo-se esse facto em 140 mil toneladas de dióxido de carbono por ano de emissões acrescidas.
No final de 2006 existiam apenas 253 mil m2 instalados em Portugal.
O recurso à água quente solar pode significar uma poupança anual por família de aproximadamente 1000 kWh/ano, representando em média cerca de 20% do consumo total da família em electricidade e gás, o que multiplicado por cerca de 3,6 milhões de famílias existentes no país representa 3600 GWh por ano.
A falta de uma campanha e de outras formas de visibilidade desta solução, benéfica para as famílias e para o país, tem impedido que o parque habitacional utilize o potencial que a energia solarencerra.
Energia das Ondas em Maré Baixa
Apesar dos projectos-piloto que têm sido desenvolvidos ou anunciados nos Açores, Madeira, Peniche, Porto ou Póvoa do Varzim, o aproveitamento da energia das ondas, em que Portugal tem enormes potencialidades, continua sem ver uma luz ao fundo do túnel.
Falta investimento privado e público nomeadamente na investigação num desafio que deveria ser quase um desígnio nacional.
O que se passa com o desenvolvimento dos aproveitamentos da energia das ondas em Portugal acaba por ser o reflexo da postura passiva que o país tem mantido em relação aos seus recursos renováveis.
Eco-fiscalidade quase Invisível
Apesar dos passos já dados no domínio da eco-fiscalidade, designadamente ao nível do Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, continuam a ser desperdiçadas enormes potencialidades de incentivo à poupança e eficiência energética, ou mesmo à adopção de equipamentos para aproveitamento de energias renováveis, através de dos mecanismos fiscais.
Não se compreende, por exemplo, que sobre os consumos de energia eléctrica, a maior parte derivada da queima de combustíveis fósseis, incida uma taxa de IVA a 5% enquanto que sobre os equipamentos para produção de energias renováveis seja de 12% e sobre a lenha (biomassa) 20%.
Educação Ambiental Esquecida
Os consumos de energia em Portugal estão em grande medida reféns das opções tecnológicas e comportamentais que os cidadãos fazem no seu dia a dia.
A sua educação, sensibilização e motivação para contribuir para a poupança e eficiência energética, assim como para os aproveitamentos de energia renovável, é essencial numa estratégia de redução da dependência do petróleo e de sustentabilidade para o sector energético.
Apesar do trabalho pontual que vai sendo feito, continua a não existir um esforço nacional para a promoção de boas práticas junto dos cidadãos no que à temática da energia diz respeito.
Fonte: Barlavento Online