A Lagoa dos Salgados - situada entre os concelhos de Silves e Albufeira -, uma das mais importantes zonas ecológicas do Algarve, sofreu um esvaziamento na semana passada que está a criar alvoroço no seio de várias associações ambientais.
Como está junto a um campo de golfe - propriedade da Herdade dos Salgados - e para evitar inundações, no Inverno, é costume abrir um canal até ao mar. No entanto esta acção foi feita em plena Primavera, altura em que as aves estão a nidificar.
“A lagoa já foi aberta duas vezes este ano mas a esta altura do ano não devia ter sido feito. A zona parece um deserto. Milhares de aves desapareceram totalmente”, confessa ao Observatório do Algarve João Ministro, da associação Almargem.
Aves como o pernilongo, o camão, o papa-ratos ou a garça vermelha, que usam a área de 149 hectares para nidificar durante a Primavera, já não o vão fazer este ano, garante João Ministro, afirmando que algumas terão fugido para a Ria Formosa, não se sabendo se já teriam começado a nidificar. Ao todo, no pico da época de nidificação, a Lagoa dos Salgados chega a albergar perto de 1500 aves.
João Ministro sublinha ainda que o campo de golfe foi mal planificado, já que está construído sobre uma zona de cheia da Lagoa dos Salgados, o que leva a ser esvaziada mais vezes que o normal e ressalva que há maneiras menos agressivas para libertar a água, como a bombagem, mas que envolve custos mais elevados.
“A lagoa fecha naturalmente, o que demora entre duas a três semanas, mas a ondulação não tem estado muito forte, por isso deverá demorar mais tempo”, admite.
Por enquanto ainda não foi feita qualquer queixa por parte da Almargem ou outra qualquer associação, mas a hipótese não está fora de questão: “Estamos a ver a situação com algumas associações de defesa do ambiente, incluído a SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), e vamos tomar decisões em breve”.
Recorde-se que a SPEA chegou mesmo a cancelar uma visita programada de observação de aves, devido à nova situação da lagoa.
CCDR deu luz verde
Contactada pelo Observatório do Algarve, fonte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR-Alg) confirmou que a abertura da Lagoa dos Salgados foi autorizada pela entidade: “Após um episódio intenso de precipitação, e tendo o nível da lagoa subido bruscamente, optou-se por autorizar a abertura da barra nesta altura", adianta a CCDR-Alg.
A medida terá servido como acção preventiva, com receio de que o nível das águas subisse para níveis não desejados. "Optou-se por autorizar a abertura da barra nesta altura, já que se temeu que, com novos episódios de precipitação, se tornasse forçoso abrir a barra com a época de nidificação mais avançada (ou que ocorresse uma abertura natural da barra), com prejuízos porventura mais graves e com menor possibilidade de reposição do nível de água na lagoa durante a época de estio”.
A mesma fonte salienta ainda a complexidade da gestão destes sistemas lagunares, em que pesam vários factores: "É necessário ponderar e conciliar variáveis diversas como a imprevisibilidade dos fenómenos climatéricos, a qualidade da água, a capacidade de suporte para a fauna aquática, a variação do nível da água, a qualidade da praia balnear adjacente e a salvaguarda de bens materiais nas imediações da zona húmida", esclarece.
De acordo com a CCDR-Alg, a Lagoa dos Salgados será fechada durante o dia de quinta-feira, com a reposição da areia entretanto removida.
Segundo a SPEA, a acção autorizada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve "deixou a seco uma das mais importantes zonas húmidas do litoral algarvio e deitou a perder dezenas de ninhos de espécies protegidas e raras que na altura nidificavam nas ilhas e sapais da lagoa, entre os quais o único casal nidificante de Pêrra em Portugal (uma das espécies de aves mais ameaçadas na Europa)".
Para além disso, diz a SPEA, ficaram ameaçados cerca de 40 casais de Perna-longa, 45 casais de Alfaiate, 3 casais de Caimão, 2 casais de Zarrocomum, 3 casais de Pato-colhereiro (os Salgados são um dos raros locais de nidificação destas duas espécies em Portugal), 5 casais de Frisada, 7 casais de Borrelho-de coleira-interrompida e 4 casais de Andorinha-do-mar-anã.
Em comunicado, a SPEA acusa a CCDR-Alg de violar um compromisso, por razões difíceis de compreender: "A Almargem e outros grupos de conservação da natureza acordaram com a CCDRA uma regulação das operações de abertura da lagoa ao mar, que permitia a abertura regular durante o período de Inverno (até 1 de Março), quando as chuvas são mais frequentes e as aves mais móveis, mas impedia qualquer abertura durante a Primavera, quando as aves utilizam as ilhas e sapais da Lagoa para construir os seus ninhos", afirma.
"Esta acção, ignorando outras soluções possíveis, causou um desastre ambiental com sérias consequências a nível da biodiversidade e da imagem do país", conclui.
Fonte: Observatório do Algarve