174: Tensão cresce na Ria Formosa
FARO: moradores da Ilha receiam demolições
A Assembleia Municipal de Faro delibera hoje sobre o "Polis Litoral Ria Formosa", mas muitos moradores desconhecem o plano de requalificação e não sabem onde vão morar se as casas vierem abaixo.
Uma pequena folha fixada num dos cafés mais frequentados pelos moradores da Ilha de Faro apela à mobilização dos habitantes para lutarem contra as demolições e se deslocarem à sessão extraordinária da Assembleia Municipal que vai apreciar e deliberar sobre o Polis e também sobre o tema das demolições.
"Todos quarta-feira, 21:00, na Câmara Municipal de Faro - Evitar demolição das casas da Praia de Faro", lê-se na folha fixada mesmo por cima do convite do presidente da autarquia de Faro, José Apolinário, apelando à população para comparecer à reunião e onde se lê: "Faro tem de avançar - requalificar respeitando os direitos das pessoas".
Um morador na ilha há 60 anos revelou à agência Lusa estar preocupado e avisa que mesmo que lhe ofereçam casa nova vai declinar a oferta: "Estou preocupado com a minha casa, porque moro aqui há 60 anos. Mesmo que me dêem uma casa nova não quero. Tenho vivido sempre em casas velhas", desabafou o mariscador que preferiu falar sob anonimato.
Um casal de moradores a viver na ilha há mais de 21 anos, Fernando das Neves, 44 anos, e a esposa Aura Maria, 41 anos, confessam, por seu turno, que se lhes tirarem a casinha na Ilha de Faro só lhes resta ir para o cemitério. "É a única casa que tenho. A seguir só o cemitério", desabafa, apreensivo e revoltado, o apanhador de animais marinhos, enquanto mastiga uma sandes de chouriço.
Fernando das Neves afirma, contudo, que o Estado terá de arranjar uma alternativa para os moradores que fiquem sem casa.
"Se houve [solução] para o Casal Ventoso [bairro degradado em Lisboa], também tem de haver para nós", defende Fernando das Neves, referindo que "para debaixo da ponte é que não vou". "A gente só tem este palheiro [casa] e a ria [Formosa] para trabalhar", conta o morador, ironizando sobre a forma como os poderosos classificam a sua única casa.
Fernando das Neves não acredita que o programa Polis seja chumbado e que a reunião venha a decidir algo que não esteja já decidido e por isso diz que não irá à Assembleia Municipal.
Maria das Dores Santos, 76 anos e a morar na Praia há 56 onde deu à luz seis filhos saudáveis, diz que ninguém da câmara a informou do programa Polis, nem das requalificações na ilha de Faro, e caso avancem com as demolições diz que não tem uma segunda residência para morar.
"Há mais de 20 anos que andam com esta conversa [das demolições"], recorda Maria das Dores, assegurando que não irá à sessão extraordinária da Assembleia Municipal porque "não pode estar muito tempo de pé".
Algo despreocupada sobre o assunto das demolições, Maria das Dores defende que os moradores que estão em pior situação são os que têm segunda habitação e usam as casas da Praia de Faro só para férias.
O "Polis Litoral Ria Formosa" é um programa de requalificação e valorização para a frente ribeirinha de Faro e zona da Ria Formosa que envolve também mais três autarquias algarvias - Loulé, Tavira e Olhão - e prevê um investimento superior a 80 milhões de euros.
O programa engloba um conjunto de obras de intervenção para a frente ribeirinha da cidade de Faro, nomeadamente para a Praia de Faro, Cais das Portas do Mar, zona industrial do Bom João, junto ao Hotel Eva e passeio da Doca.
Macário quer que Polis destrua casas ilegais
O presidente da Área Metropolitana do Algarve (AMAL), Macário Correia, defende hoje a demolição de casas ilegais nas ilhas-barreira da Ria Formosa e diz não fazer sentido um Polis na zona "sem que se aproveite para fazer a requalificação".
"Deve-se aproveitar este projecto para fazer uma boa operação de requalificação da Ria Formosa, em particular nas ilhas-barreira, em que há situações acumuladas ao longo de anos e que são uma escandaleira do que é a falta de autoridade do Estado", disse o autarca à Agência Lusa.
Fazendo questão de salientar que defende esta posição "há 20 anos", o também presidente da Câmara de Tavira considerou que "a Natureza está a encarregar-se" de lhe dar razão, referindo-se ao que se tem passado na costa portuguesa devido ao mau ordenamento territorial.
"Não faz o mais pequeno sentido que gastemos milhões de euros do dinheiro de todos nós, contribuintes, para defender construções assentes em sistemas instáveis, que as Leis da Natureza se encarregam de mostrar que o são", disse.
Admitindo que o Polis XXI, só por si, não prevê qualquer demolição, Macário Correia afirmou que "se assim é, não devia ser" e reafirmou que se trata de uma "oportunidade única" para fazer um reordenamento global da zona.
A Câmara de Tavira, à semelhança de Olhão e Loulé, já aprovou o programa, que prevê um investimento superior a 80 milhões de euros e deverá ser votado quarta-feira pela Assembleia Municipal de Faro, o último dos quatro municípios envolvidos.
No concelho de Tavira, o Polis XXI beneficiará a marginal de Cabanas, a zona das Quatro Águas e os acessos à Praia do Barril.
De acordo com o plano, dentro de cinco anos os farenses verão requalificado o Parque Ribeirinho (investimento de 3,5 milhões de euros), o acesso à Praia de Faro (3,4 milhões de euros) e o Parque Ludo/Pontal (1,3 milhões de euros).
A construção de uma marina de nível internacional, o realojamento dos moradores do bairro degradado da Horta da Areia para a Urbanização dos Braciais, recuperação da zona lacustre e de moinhos de maré e criação de zonas de lazer e turismo são outros exemplos da mudança da frente ribeirinha em Faro.
Ambientalistas dão benefício da dúvida ao Polis
As organizações ambientalistas Almargem e Liga para a Protecção da Natureza (LPN) dão o benefício da dúvida mas não escondem a sua preocupação face ao novo programa Polis XXI para a Ria Formosa.
O programa, que deverá ser votado quarta-feira na Assembleia Municipal de Faro, prevê um investimento superior a 80 milhões de euros na requalificação e valorização da Ria, envolvendo quatro autarquias algarvias.
Em declarações à Lusa, Gonçalo Gomes, da Direcção da LPN/Algarve, explicitou que dará o "benefício da dúvida" ao projecto, mas manifestou-se receoso de que se venha a adoptar o que designou como "política do facto consumado" e que "tudo esteja mais do que decidido".
"À partida, não excluímos nenhum conceito", disse, sublinhando que ainda estão por concretizar os planos de pormenor das zonas a requalificar.
Sobre a prevista construção de um porto de recreio para barcos de médio porte, no Bom João - na zona do actual cais comercial, na zona nascente da cidade -, Gonçalo Gomes admitiu que não exclui "à partida" nenhum conceito, mas espera pela execução do projecto no seu todo.
A LPN chegou a propor a construção de um porto de recreio de Faro na zona das salinas, com menor impacto ambiental.
Sobre a devolução da Ria Formosa à população de Faro, o dirigente ecologista opinou que se trata "de uma antiga dívida da cidade aos farenses" e recordou que desde os anos 80 que há um projecto nesse sentido, no qual "foram gastos dinheiro e recursos materiais e humanos".
Gonçalo Gomes mostrou-se receoso que, à semelhança do que disse ocorrer relativamente aos Polis de "primeira geração", também neste caso "não se veja nada de significativo depois das obras".
Por seu turno, o ambientalista Alfredo Franco, da Associação Almargem, mostrou-se preocupado com a natureza das intervenções "numa área sensível e com um ecossistema delicado".
"Desconheço exactamente o que é que a Parque Expo [entidade gestora do projecto] fará, mas não podemos deixar de ter algumas expectativas, até porque fizemos em tempos propostas à autarquia de Faro para o passeio ribeirinho e o parque do Pontal, que não sabemos se serão contempladas", disse.
A Quercus/Algarve declinou o convite da Lusa para se pronunciar sobre o projecto.
De acordo com o plano, dentro de cinco anos os farenses verão requalificado o Parque Ribeirinho (investimento de 3,5 milhões de euros), o acesso à Praia de Faro (3,4 milhões de euros) e o Parque Ludo/Pontal (1,3 milhões de euros).
A construção de uma marina de nível internacional, o realojamento dos moradores do bairro degradado da Horta da Areia para a Urbanização dos Braciais, recuperação da zona lacustre e de moinhos de maré e criação de zonas de lazer e turismo são outros exemplos da mudança da frente ribeirinha em Faro.
Fonte: Observatório do Algarve / Lusa