648: Esgotos 'ameaçam' planta protegida
Os esgotos transportados por uma conduta para a ETAR de Vila Real de Santo António vão passar por cima de plantas protegidas pela União Europeia. Parte já foi destruída.
Chama-se Picris willkommii e seria, à vista desarmada, uma planta idêntica a tantas outras, não fosse o seu estatuto especial. A planta, da divisão das espermatófitas e da família das plantas compostas, é afinal um ser vivo raro e endémico, isto é, que apenas existe no Algarve e é protegida pelo Anexo IV da Directiva Habitats. Mas, devido às obras de construção de um colector de esgotos que ligará Castro Marim à ETAR de Vila Real de Santo António, um dos núcleos da Picris willkommii já foi destruído, denunciou a Associação Almargem. "Existe um colaborador nosso que tinha conhecimento dos núcleos, foi visitá-los e deparou-se com o desaparecimento de um deles", afirma ao Observatório do Algarve João Santos. O núcleo vegetal encontrava-se junto à Estrada Nacional 122, e foi ‘atacado’ por uma escavadora a cargo da empresa Águas do Algarve, encarregada de efectuar a obra do colector. A empresa assume a responsabilidade da obra, mas salienta que foi o consórcio executante que decidiu autonomamente efectuar o estaleiro naquele local: “O consórcio responsável pela obra - ACA/FDO/NORLABOR, indevidamente e sem autorização procedeu a movimento de terras para instalação de estaleiro provisório para a execução da travessia do esteiro da Lezíria por perfuração horizontal dirigida”, afirma Teresa Fernandes, a porta-voz das Águas do Algarve, em resposta por escrito ao OdA. “Esta situação originou uma reunião com carácter de urgência na Reserva Natural em 2009/01/16, tendo a Águas do Algarve notificado de imediato o empreiteiro de um Auto de Noticia”, acrescenta. Segundo a empresa, procedeu-se então ao desenvolvimento de um plano de estaleiro e impactos ambientais expectáveis, “assim como à mobilização de um técnico especializado na área para desenvolver um Plano de Acompanhamento Ambiental”. No entanto, só mais tarde, a 2 de Abril, seriam informados da destruição da planta endémica: “Solicitámos a colaboração dos técnicos da Reserva Natural para proceder de imediato à identificação da espécie em causa e efectuar uma vedação de protecção como forma preventiva a outros danos”, afirma Teresa Fernandes. Em resposta às questões do Observatório do Algarve, a porta-voz das Águas do Algarve salienta no entanto, que “o projecto da obra foi objecto de análise da Reserva Natural, nas quais sempre foram levantadas questões diversas, as quais foram devidamente alteradas ou resolvidas atempadamente, sem no entanto, nunca nos terem referido a proximidade do núcleo de Picris willkommii e a sua imperativa preservação”. Por seu lado João Santos, da Almargem, avisa: “Que nós tenhamos conhecimento, a maior parte dos núcleos da Picris são nesta zona, é uma área pequena que vai desaparecer por causa da conduta”, diz. “É que a conduta é linear, e o projecto está feito, portanto não vai andar aos ésses”, conclui. Lei proíbe destruição Apesar de poder ser considerada uma obra de interesse público, de carácter social, a construção do colector de esgotos não poderá pôr em causa a existência de espécies protegidas, sob pena de violar a legislação que regula a fauna e flora ameaçadas (ver aqui). É que o decreto 49/2005 , que transpôs para a legislação nacional as directivas comunitárias prevê explicitamente que são possíveis obras do género, mas desde que "não exista alternativa satisfatória e não seja prejudicada a manutenção das populações da espécie em causa num estado de conservação favorável, na sua área de distribuição natural". Pela infracção à lei, a empresa Águas do Algarve arrisca-se não só ao embargo da obra, como ao pagamento de contra-ordenações que podem ascender aos 45 mil euros pela alteração da morfologia do solo, valor idêntico à soma devida pela "destruição das plantas no seu meio natural". O OdA tentou obter esclarecimentos junto do ICNB, mas tal não foi possível até à hora de publicação da notícia. A construção do Sistema Interceptor de Castro Marim está a decorrer ao longo da EN 122 e da variante de Vila Real de Santo António e irá permitir o transporte de águas residuais entre as povoações e a futura ETAR de Vila Real de Santo António, bem como a recolha ao longo do seu percurso de outros núcleos habitacionais.
Fonte: Observatório do Algarve