445: Olhão: Quatro pescadores que naufragaram em Tânger regressaram a casa
"Escapámos à morte", diz Francisco Pisco, um dos cinco tripulantes da embarcação ‘São Francisco de Assis’, que naufragou ao largo de Tânger. Os quatro algarvios sobreviventes regressaram ontem de madrugada às suas casas, na Fuseta e em Olhão, com a pesada memória da tragédia.
"Estava a trabalhar à ré, com os quatro camaradas, quando ouvi um estrondo e vi um cargueiro cinzento passar por nós a toda a velocidade. Tinha embatido na proa do nosso barco, que começou logo a meter água", recorda Francisco Pisco, já junto da irmã, na Fuseta .
Eram 18h30 de quarta-feira quando o barco começou a afundar-se. "Só tive tempo de tirar as botas de borracha e o casacão e jogar-me à água", conta Pisco.
"O barco afundou-se em cinco minutos e nós ficámos os quatro [o marroquino desaparecera entretanto] à deriva na balsa, apenas com uma garrafa de água."
A escuridão era total, o vento assustador e os quatro náufragos, que tinham apenas calças e camisas de manga curta vestidas, tiritavam de frio. "Foi uma longa noite, mas tive sempre fé de que nos salvaríamos", garante Pisco.
Dispararam vários very-light durante a noite, mas só de manhã, às 11h00 de quinta-feira, mais de 16 horas passadas, foram avistados pelo arrastão luso-marroquino ‘Mar Antárctico’, que os recolheu. "Deram-nos frango assado, o melhor pitéu que comi na vida", confessa Pisco, 48 anos, que garante querer voltar ao mar, "onde ando desde os 17 ".
MARROQUINO E O CÃO 'TARZAN' PERDERAM A VIDA
O naufrágio do ‘São Francisco de Assis’ causou duas mortes. Além de Khalifi Lahjid, um marroquino de 41 anos – que há cerca de dois meses fazia parte da tripulação e residia em Olhão, onde tinha uma namorada –, morreu o cão ‘Tarzan’, a coqueluche dos pescadores.
"Nasceu na embarcação e, quando a mãe morreu, de velhice, passou a ser a nossa grande companhia", confessa Paulo Calvinho, que lembra uma curiosa façanha do rafeiro. "Quando o tempo ameaçava tempestade, muito antes dela chegar, punha-se à proa, a cheirar, levantando o focinho".
Era sinal de alerta e obrigava a regressar a um porto. "Nunca falhou. Outros mestres contactavam-nos, perguntando que tempo o ‘Tarzan’ tinha previsto para o dia seguinte."
REGRESSO NO ANIVERSÁRIO
Paulo Calvinho é o mais novo (38 anos) e o único dos sobreviventes ao naufrágio residente em Olhão.
Pai de dois filhos, o David de seis anos e o Paulo com apenas três semanas, o pescador confessa que, naquela longa noite na balsa, chegou a pensar que nunca mais abraçaria a sua família.
Ontem, curiosamente, celebrou-se o 1º aniversário do seu casamento com a actual mulher, a brasileira Michelle. "Apanhámos um susto de morte, quando nos vimos no meio do mar, sem socorro, à noite", recorda Calvinho, que tem muitas dúvidas "se volto aquela vida tão dura e perigosa".
PORMENORES
PREJUÍZO
O ‘São Francisco de Assis’, um palangreiro de 14 metros, estava cheio de pescado na altura do acidente. Três dias de faina proporcionara arrecadar cerca de mil quilos de peixe.
CARGUEIRO
O navio que abalroou o barco português foi um cargueiro de grandes dimensões, cinzento, que apenas terá sofrido um pequeno rombo. Autoridades marroquinas estão a tentar identificá-lo.
CONSULADO
Náufragos elogiam o trabalho do Consulado português em Tânger. Alojados num bom hotel, comeram em bons restaurantes, sempre acompanhados por funcionários consulares.
Fonte: Correio da Manhã